É natural que, ao pensar em alguém carismático, venham à mente exemplos de pessoas que tenham certas características, como eloquência, bom humor e até um certo magnetismo. No entanto, nem sempre essas qualidades são fáceis de identificar, porque, como diz o professor John Potts, da Universidade de Macquarie, em Sydney, na Austrália, o “carisma é mais fácil de reconhecer do que de definir.”
Para entender um pouco da percepção sobre essa característica, a reportagem de O TEMPO foi às suas para entender: afinal, o que é carisma?
No geral, os entrevistados avaliam que carismáticas são aquelas pessoas que tratam as outras com atenção e cuidado. Para a doméstica Edith Albedo de Lassado, de 86 anos, porém, esse “dom” está em falta. “Uma pessoa carismática dá atenção e carinho. Mas hoje em dia nem os próprios filhos têm nos tratado com esse cuidado. As coisas mudaram muito”, lamenta.
Ingrid Ketlyn, de 28 anos, concorda com a doméstica. “Tem carisma quem sabe cativar e conversar com o outro. No entanto, hoje as pessoas estão mais focadas em usar o celular”, reclama. O logístico Sérgio Felipe, de 25 anos, se considera uma pessoa carismática porque procura manter uma relação agradável com as pessoas com quem convive. “Eu cumprimento as pessoas, também dou abraços para animar o dia. Uma pessoa positiva dá bons resultados no trabalho e entre os familiares”, avalia.
O analista de engenharia Carlos Antônio Nogueira, de 34 anos, por outro lado, percebe que perdeu essa característica com o ar dos anos. “Hoje, estou mais fechado, mas quando era mais novo, era mais carismático. Acredito, porém, que isso pode ser um ponto positivo, porque demonstra mais seriedade, especialmente no ambiente de trabalho”, identifica.
De origem grega, a palavra carisma significa “dom divino” ou “dádiva”. Seu primeiro uso registrado aparece nas cartas do apóstolo São Paulo, descrita como o “dom da graça de Deus” ou “dom espiritual”.
Mestra em istração, psicóloga e especialista em gestão de pessoas, Graziela Alves parte dessa concepção para refletir sobre o tema. “A ideia de carisma envolve uma percepção social. Uma cultura pode entender que o que desperta essa graça é uma expressão mais extrovertida, enquanto outra pode considerar carismática uma pessoa que transmite doçura ou promove reflexão”, avalia.
Dessa maneira, o que uma cultura percebe como algo capaz de despertar um “estado de graça” depende da sua história, dos valores que cultiva e dos comportamentos que foram historicamente irados e considerados nobres. “
Se fizermos um recorte da nossa cultura, por exemplo, veremos que ela é marcada por uma grande expressividade, liberdade de expressão, afeto e abertura social para os laços e as relações. Por isso, podemos dizer que essa é uma habilidade socialmente valorizada entre nós, e que certos traços de personalidade acabam sendo favorecidos justamente por refletirem o que a cultura mais aprecia”, afirma.
Especialista em desenvolvimento humano e organizacional, Vivian Wolff analisa que o carisma pode ser uma característica inata, mas isso não quer dizer que não possa ser um comportamento aprendido.
“Ou seja, parte do carisma pode estar relacionado a elementos naturais, mas também pode ser desenvolvido com prática”, identifica. “O carisma é algo percebido e não uma característica que afirmamos ter: são os outros que reconhecem o carisma em nós, porque ele está relacionado a como o meu comportamento ressoa emocionalmente nos outros”, aponta.
Vilões também podem ser carismáticos
Pessoas carismáticas não são necessariamente gente boa. Exemplos disso são os vilões de novela, como Odete Almeida Roitman, de “Vale Tudo.” Na trama, ela é uma personagem egoísta e cruel, mas que caiu nas graças do público justamente por conta disso.
“Se partirmos do ponto de que carisma é a capacidade de manter os outros em um estado de graça, um tipo de magnetismo emocional, então, sim, essas pessoas, por sua autoconfiança, eloquência e habilidade de prender a atenção dos outros, podem ser vistas como carismáticas. São indivíduos que, inclusive, influenciam comportamentos e podem mobilizar a adesão de outras pessoas a um determinado perfil”, comenta a psicóloga Graziela Alves.
Na avaliação da especialista, essa avaliação a por algo muito subjetivo: a autopercepção de quem observa. “É esse observador que enxerga carisma no vilão, algo desejado e digno de ser imitado. Essa percepção a muito pela subjetividade, pela falta que esse observador sente. Aquilo que ele percebe como uma ausência ou carência em si mesmo, mas vê como preenchido na figura do outro, que, naquele momento, pode ser tanto um vilão quanto um mocinho. Ou seja, ele projeta no outro algo que ele deseja ter justamente porque sente que lhe falta”, diz.
Como desenvolver o carisma?
Veja dicas das especialistas para desenvolver essa habilidade:
- Seja adaptável. “O carismático consegue ser flexível para se adaptar às necessidades do público para o qual se dirige. Também é alguém sensível, no sentido de conseguir fazer uma leitura da diversidade de um público”, recomenda Graziela Alves.
- Desenvolva a sua comunicação. “Uma pessoa carismática tem a capacidade de falar a língua dos diversos públicos com os quais interage. Ela se faz ser entendida e também entende o público”, aconselha Graziela Alves.
- Escute o que as pessoas têm a dizer. “Nunca me tornarei carismático se não tenho o hábito da escuta ativa ou abertura para conhecer e estar com pessoas. Por isso, minha recomendação é pedir muitos s para enxergar o que ainda não sabe sobre você”, diz Vivian Wolff.
- Atente-se à comunicação não-verbal. “Postura, olhar e tom de voz transmitem confiança, empatia e presença ou o contrário. Pense em uma pessoa que sorri, se mostra disponível e transmite entusiasmo. Agora, pense em alguém pouco expressivo, de cara fechada e com gestos curtos. A experiência é outra. Mesmo que na fala a pessoa tente ser carismática, o corpo está mandando uma mensagem oposta”, analisa Vivian.