Uma pesquisa rápida nas redes sociais é o bastante para encontrar uma infinidade de conteúdos sobre o “low buy”, movimento que incentiva as pessoas a consumir de forma consciente, evitando compras impulsivas e desnecessárias. Entre os resultados, registros da diminuição massiva da quantidade de produtos acumulados, listas de compras mais objetivas e relatos de pessoas que diminuíram consideravelmente o valor da fatura do cartão de crédito são alguns dos vídeos que mais chamam a atenção do público em plataformas como o TikTok. Mas o movimento vai além dessas mudanças, propondo também benefícios para o meio ambiente e para a própria saúde mental.

Doutor em psicologia social e professor da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, Cláudio Paixão explica que, diferentemente do consumo por impulso, que funciona como uma injeção de ânimo momentâneo, comprar de forma mais consciente faz com que as pessoas estejam mais presentes em suas experiências. “Se eu estou mal, vou tentar entender qual é a fonte desse sentimento, qual é a experiência que está por trás daquele desejo de comprar. Então, não comprando, acabo não colocando uma máscara sobre esse desconforto e tento ‘mergulhar’ nele e investigá-lo um pouco. Como não vou gostar de ficar desconfortável, vou ser forçado a tentar encontrar a causa disso”, explica.

Ele acrescenta que a prática do “low buy” também pode ter impacto no ambiente, resultando em um espaço menos abarrotado de coisas, o que contribui para que a organização fique mais fácil. “A mudança da nossa cabeça pode começar pelo lado de fora. Na medida em que eu tenho um ambiente mais organizado e uma quantidade menor de coisas no meu entorno, posso exercitar um pouco mais esta discriminação: o que é importante de fato? O que não é? Eu começo com objetos e termino com escolhas na vida, talvez até com pessoas”, afirma.

Há uma relação também com o desperdício. “Você vai comprar alguma coisa e, por exemplo, vê um queijo em promoção; compra, leva para casa e ele estraga. Ou tem um sabonete, um xampu, e vê outro diferente, que é hidratante, e também compra e não usa. Essa coisa se deteriora, estraga, você perde. A sensação boa da compra, então, é muito pequena se comparada à frustração de ter aquilo jogado fora. É uma sensação de perda, de desperdício, não só de recursos, mas também de dinheiro”, exemplifica ele. Por fim, Cláudio Paixão destaca que, quando o indivíduo a a tomar consciência de seu consumo e a escolher os itens com cuidado, ele também começa a ser “senhor de si”. “Isso ajuda, com certeza, a ter uma vida mais saudável, mais equilibrada”. 

É possível mudar

Apesar dos benefícios da adoção de um formato de compra mais consciente, assumir uma postura menos consumista, principalmente diante de estímulos que vêm de toda parte, pode não ser das tarefas mais fáceis. O que não torna, porém, a mudança de hábito algo impossível. É isso o que pontua o consultor financeiro Rodrigo Schumacher. “O dinheiro é extremamente emocional, e, quando você compra por impulso, você está comprando de forma emocional. Mas podemos condicionar isso de uma forma diferente: primeiro, entendendo que o dinheiro precisa ter um destino”, explica ele, ressaltando que um dos primeiros os é definir um orçamento para os gastos.

Utilizar aplicativos ou o próprio bloco de notas do celular para listar os produtos essenciais a serem comprados também é uma estratégia recomendada pelo consultor. Segundo Schumacher, é uma forma de ter clareza sobre aquilo que é prioridade de compra. “Também tem uma técnica, que eu entrego para os meus alunos no treinamento, que é um cartãozinho de combate ao consumo inconsciente. É, antes de qualquer compra, pensar em três perguntas: eu preciso? Eu posso? Eu quero? Se uma das respostas for não, então não é hora de comprar”, afirma.

Ele pontua, porém, que não é necessário levar tudo a ferro e fogo. Tanto que parte do orçamento também pode ser separada para compras não essenciais. “Nós podemos nos mimar, mas então o que temos que fazer? Posso separar 5% do que eu ganho para comprar o que eu quiser. Compro a camiseta de time de futebol mesmo sem planejamento, compro um chocolate, um ovo da Páscoa”, exemplifica.

Impulso x compulsão

Propor-se a consumir de forma mais consciente, adotando o “low buy”, por exemplo, não é garantia de uma vida sem erros ou sem compras por impulso. “Você vai errar, muitas vezes vai consumir algo que não precisa, mas faz parte do processo também. Não tem como seguir à risca de forma tão enérgica assim”, observa o consultor financeiro Rodrigo Schumacher.

Mas, mesmo que o consumo por impulso aconteça, fugindo do planejamento e do orçamento, ele não é a mesma coisa que a compra compulsiva – um problema sério que recebe o nome de “oniomania”. “De um ponto de vista prático, a compra por impulso ocorre ocasionalmente e não se repete. Os motivos para esse consumo normalmente vão estar associados a uma promoção, a uma vitrine atraente, a épocas do ano em que a pessoa vai ao shopping e vê pessoas comprando, vê propagandas, tem contato com os famosos gatilhos mentais. Tudo isso pode fazer com que a pessoa aja sem pensar e acabe comprando e depois se arrependendo. O impulso, na verdade, é isso. É quando emitimos um comportamento sem pensar muito bem nele e depois nos arrependemos”, explica o psiquiatra Bruno Brandão.

O médico acrescenta ainda que a compra impulsiva normalmente não está associada a um alívio emocional nem é acompanhada de muita culpa posterior, embora possa gerar arrependimento. Também não há uma interferência na vida da pessoa nem um comprometimento financeiro ou dos relacionamentos. “Então, o impulso está mais associado a algo como um ‘curto-circuito’ – a pessoa não pensou muito bem e executou um comportamento”, diz. Na compulsão, por outro lado, o indivíduo será capaz de perceber que as compras são prejudiciais, mas não conseguirá parar. “É uma compra por impulso que ocorre de forma repetitiva, motivada por fatores externos também. É muito caracterizada por um comportamento persistente e incontrolável e vai estar ligada a uma sensação de regulação interna: precisa-se comprar para aliviar uma ansiedade, uma tristeza, um tédio”, elucida ele, ressaltando que a oniomania costuma estar associada a outros transtornos psiquiátricos.

É justamente por ser quase sempre acompanhada de outros transtornos que o psiquiatra ressalta a importância de avaliar, quando a compulsão é percebida, ao que ela está associada. “É um transtorno de ansiedade? É um transtorno depressivo? É um transtorno de personalidade? Tem um transtorno por uso de substâncias? Está ando por algum problema interpessoal, um transtorno de adaptação? Enfim, tem algum quadro que essa pessoa está tentando aliviar? Talvez usando as compras numa tentativa frustrada de se ‘automedicar’? É fundamental identificar a causa para definir o tratamento, que vai envolver tanto fatores psicoterápicos quanto a medicação para transtornos que estão associados e para a própria impulsividade”.