A tradição romântica marca a música brasileira desde o seu princípio, com valsas e boleros eternizados por nomes como Carlos Galhardo, Francisco Alves e outros apaixonados do gênero. Os primeiros ritmos com acento nacional, como as serestas e o samba-canção também seguiram esse estilo, destacando cantoras cuja entrega era possível sentir nas letras e interpretações, casos de Dolores Duran, Dalva de Oliveira e, mais à frente, Maysa.

Não há uma época no nosso cancioneiro em que alguém não se declare de amor. O amor está no ar, como dizia aquela famosa canção norte-americana, de John Paul Young, mas, aqui, damos preferência aos compositores nacionais, com uma leve exceção que comprova a regra, à sa. O importante é tocar o coração, e a diversidade também marca presença com balada, toada e canção, de norte a sul do Brasil, com os mais variados ritmos e aquele pulsar inconfundível. 

“Carinhoso” (samba-choro, 1937) – Pixinguinha e João de Barro

Pixinguinha foi regente de várias orquestras, entre elas a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, Oito Batutas e Diabos do Céu. Suas inovações melódicas provocaram celeuma na imprensa, que não compreendia a insurgente sofisticação. Ao escrever um choro em duas partes, e não em três, como era costume, o próprio compositor sabia que seria alvo de reclamações. Por isso mesmo, “Carinhoso” demorou 20 anos para tomar forma definitiva e alcançar sucesso irrevogável.

O que só aconteceu quando João de Barro, o Braguinha, adentrou a ourivesaria de Pixinguinha e lapidou com versos a refinada harmonia de “Carinhoso”. Desde a gravação original de Orlando Silva, em 1937, por recusa de Francisco Alves e quebra de compromisso de Carlos Galhardo, a música se tornou um dos maiores emblemas do cancioneiro romântico brasileiro, com mais de 200 regravações.

“Je T’aime… Moi Non Plus” (balada, 1969) – Serge Gainsbourg

Nada como uma polêmica para acender uma canção e leva-la ao topo das paradas de sucesso. Foi o que aconteceu com a balada “Je T’aime… Moi Non Plus”, do francês Serge Gainsbourg, que, em 1969, acabou proibida em diversos países, devido a seu conteúdo erótico. No Brasil, apesar da censura, a canção ou, e logo se tornou uma febre parecida ao fervor da cantora Jane Birkin, então namorada de Gainsbourg, que acompanha o compositor na gravação e simula um orgasmo. Para completar, a música é cantada em sussurros. Originalmente, ela teria sido composta para a musa Brigitte Bardot…

“Samba de Gesse” (bossa nova, 1971) – Vinicius de Moraes

Vinicius de Moraes (1913-1980) foi casado nove vezes. A sétima esposa foi a atriz baiana Gessy Gesse. Apresentados por Maria Bethânia, os dois selaram o matrimônio de maneira pouca ortodoxa. Numa praia de Salvador, Vinicius vestiu-se de bata branca e uma coroa de margaridas. Os dois foram morar na capital baiana, e o relacionamento durou sete anos.

Enquanto a chama do amor ainda não havia se apagado, o Poetinha compôs, para a sua musa, “Samba de Gesse”, um singelo samba ao estilo da bossa nova, em que declarava uma paixão que, apesar de nova, ele suspeitava vir de outras eras: “Até parece que eu conhecia sempre você/ Que me aparece quando eu não via jeito de ser/ (…) Quando amanhece e eu ao meu lado vejo você/ Eu digo em prece que a vida é linda como você”. Fato curioso e raro na trajetória do compositor, Vinicius criou melodia e letra sozinho, sem parceiros.

“Minha Superstar” (balada, 1981) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos

Uma tragédia marcou a vida de Erasmo Carlos, quando a ex-mulher Narinha, que sofria de depressão, cometeu suicídio, em 1995, aos 49 anos. Os dois estavam separados desde 1991. Mas quando eles ainda eram casados, Erasmo dedicou todo um disco à esposa, lançado em 1981, em que apareciam juntos na capa, com o cantor nos braços de Narinha. Entre as canções de maior sucesso do disco está a balada “Minha Superstar”, de Erasmo e Roberto Carlos. Na letra, o compositor apaixonado descreve a esposa: “Ela é minha superstar/ Mulher de brilho farto/ Que eu sempre hei de ver brilhar/ No palco do meu quarto”. Um sucesso atemporal, e que ainda embala os casais românticos.

“Ai Que Saudade D’ocê” (toada, 1983) – Vital Farias

Paraibano de Taperoá com influências ibéricas em seu violão, o músico Vital Farias construiu uma obra particular, facilmente identificável. Entre seus maiores sucessos destacam-se “Era Casa, Era Jardim”, lançada em 1978 e regravada por Fagner, também conhecida como “Canção em Dois Tempos”, e “Veja (Margarida)”, de 1980, lançada por Elba Ramalho no disco “Capim do Vale”. Também paraibana, Elba voltou à obra de Vital no álbum “Coração Brasileiro”, de 1983, um dos mais bem-sucedidos de sua trajetória, que rendeu à cantora os discos de ouro e platina pelas milhões de cópias vendidas. No repertório, Elba dá voz a “Ai Que Saudade D’ocê”, uma toada dolente, romântica, que caiu no gosto do público e entrou para o repertório de sucessos.

“Iolanda” (canção, 1984) – Pablo Milanés em versão de Chico Buarque

A tentação de estabelecer relações diretas entre o entorno e a obra só não pode cair na esparrela de perder de vista o primordial. Se o próprio Chico Buarque calhou de encontrar anacronismo em algumas de suas composições – e agora revê este ponto de vista quando as traz novamente à baila, certamente influenciado pelo cotidiano –, a observação mais atenta percebe nelas um sentido, acima de tudo, humano. A versão feita por Chico para a balada “Iolanda”, de Pablo Milanés, abriu espaço para o lado romântico e a gama de personagens que sua lírica foi capaz de criar nessas décadas. A versão lançada pela cantora Simone, em 1984, se transformou em sucesso atemporal.

“Aventura” (balada, 1986) – Eduardo Dussek e Luiz Carlos Góes

A dupla de compositores formada por Eduardo Dussek e Luiz Carlos Góes é responsável por músicas impagáveis do repertório nacional, como “A Índia e o Traficante”, “Doméstica”, “Brega-Chique”, “Folia no Matagal”, “Chocante”, dentre outras, em que mesclavam um humor ácido e irônico a críticas sociais, com forte influência do Teatro Besteirol do qual Góes fez parte, ao lado de nomes como Vicente Pereira, Miguel Falabella e Mauro Rasi. Além da irreverência, a dupla também apostava no romantismo, como comprova a balada “Aventura”, lançada em 1986, um dos maiores sucessos da carreira de Eduardo Dussek. Com canto doce e suave, ele disseca meandros do encontro.

“Preciso Dizer Que Te Amo” (balada, 1988) – Cazuza, Dé Palmeira e Bebel Gilberto

Interpretada por Cazuza no especial “Uma Prova de Amor”, exibido pela Rede Globo em 1989, a música teve o seu primeiro registro revelado no ano de 2004, quando o produtor Ezequiel Neves recuperou a fita cassete original. Lançada na coletânea “Preciso Dizer Que Te Amo”, a versão apresenta as vozes de Bebel Gilberto e Cazuza sob o acompanhamento do violão de Dé Palmeira. “E até o tempo a arrastado/ Só pra eu ficar do teu lado”, sublinham os versos prenhes de paixão.

Inicialmente, o refrão dizia: “É que eu preciso dizer que te amo/ Desentalar esse osso da minha garganta”, mas Dé Palmeira o achou muito “punk”, e Cazuza substituiu a expressão por “te ganhar ou perder sem engano”. A canção recebeu inúmeras regravações, com diferentes arranjos, mas mantendo o poder de identificação entre os românticos e apaixonados. Marina Lima, Leo Jaime, Bebel Gilberto e Cássia Eller foram alguns dos que deram voz a essa balada.

“Alma Gêmea” (balada, 1994) – Peninha

Aroldo Alves Sobrinho só é reconhecido quando chamado pelo nome que o consagrou. Cantor popular, compositor e instrumentista, Peninha nasceu em São Paulo e começou a carreira artística em 1972, com apenas 19 anos, ao gravar um compacto. O primeiro sucesso nacional veio em 1977, quando a música “Sonhos”, de Peninha, foi incluída na novela “Sem Lenço, Sem Documento”, da Rede Globo. Outro arrasa-quarteirão aconteceu em 1994. A balada “Alma Gêmea” foi gravada pelo cantor Fábio Jr. e chegou ao topo das paradas de sucessos. No ano de 1997, Peninha lançou a sua versão para o hit.

“Vambora” (balada, 1998) – Adriana Calcanhotto

“Vambora” integra o quarto disco de Adriana Calcanhotto, “Maritmo”, que deu início à trilogia marítima da cantora, finalizada em 2019 com o elogiado “Margem”. A música rapidamente se transformaria em um dos principais hits da gaúcha. Calcada em uma estrutura romântica, em que o ponto de partida é o desenlace amoroso, Calcanhotto se vale de estratégias ambivalentes que aumentam a complexidade da canção, sem eliminar a sua atmosfera romântica.

Assim, “Vambora” atende tanto aos anseios do público que busca um consolo para a frustração romântica quanto para aqueles mais antenados, que pescam as referências às obras literárias dos poetas Ferreira Gullar (1930-2016) e Manuel Bandeira (1886-1968), cujos títulos dos livros “Dentro da Noite Veloz” e “A Cinza das Horas” são citados. Até hoje, “Vambora” é indispensável em qualquer show de sucessos da compositora gaúcha.

“Românticos” (balada, 1999) – Vander Lee

O segundo disco de Vander Lee, no “Balanço do Balaio”, foi lançado em 1999 pela gravadora Kuarup, e trouxe no repertório o maior sucesso de sua carreira: “Românticos”, uma balada delicada, dolente e sensível, com forte poder de identificação sobre o público. “Românticos são poucos/ Românticos são loucos desvairados/ Que querem ser o outro/ Que pensam que o outro é o paraíso”. Em 2019, a música ganhou uma versão da Orquestra Ouro Preto, com os vocais de Renegado, rapper que manteve longa amizade com Vander Lee. Hit.

“Partilhar” (balada, 2014) – Rubel

Talvez essa canção tenha ado desapercebida do grande público quando foi lançada, lá em 2014, pelo programa Sofar Sounds, ou mesmo quando, em 2018, finalmente integrou um álbum, o “Casas”, do cantor Rubel, mas nada que um videoclipe com a participação de Marina Ruy Barbosa e a inserção da dupla Anavitória não possa consertar.

A recriação da música gerou um hit, e, de lá pra cá, ou a ser comum a execução em casamentos de “Partilhar” e a escolha por vários casais de ter a música como aquela que marca o relacionamento. “Se for preciso/ Eu pego um barco, eu remo/ Por seis meses, como peixe pra te ver/ Tão pra inventar um mar grande o bastante/ Que me assuste e que eu desista de você”, diz a abertura da canção, antes de entrar no refrão: “Eu quero partilhar/ A vida boa com você”, simbolizando o companheirismo e a cumplicidade desse romance.

“Lupicínio” (samba-canção, 2025) – Raphael Vidigal Aroeira e André Figueiredo

O clima noturno, um tanto sombrio, que atravessa a canção, não é por acaso. Ao final dos versos, o poeta anota o horário da inspiração: “às 4h30 da manhã”. Com letra de Raphael Vidigal Aroeira e melodia de André Figueiredo, o samba “Lupicínio”, nascido, inclusive, na mesma época, é uma espécie de irmão gêmeo de “Ouvi Dolores”, lançado em 2024, após 15 anos de sua composição. Os próprios nomes indicam semelhanças.

Dessa vez, o personagem da música brasileira que batiza o samba-canção é, justamente, Lupicínio Rodrigues, conhecido tanto pela boemia quanto por ter criado a “dor de cotovelo”, devido a seu hábito de apoiar-se nos balcões dos bares de Porto Alegre para lamuriar suas desilusões amorosas, colhendo, tanto da observação externa quanto da reflexão interiorizada, conteúdos para clássicos da canção popular, com os sugestivos nomes de “Vingança”, “Nunca”, “Nervos de Aço”, “Loucura”, dentre outros.